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Oxigenoterapia em Pediatria: Conheça os efeitos e risco da hiperóxia


O oxigênio foi descoberto por Scheele e Priestly em 1772 e 1774 e foi conceituado como essencial a vida e ao mesmo tempo tóxico(1). Em 1920 que o conceito do oxigênio terapêutico foi introduzido por Barach (2) e em recém nascidos na década de 40 nos EUA (1). Desde então houve um aprofundamento dos estudos nos efeitos deste gás no organismo, em especial nas crianças (3).


A toxicidade do oxigênio em recém-nascidos e prematuros vem sendo discutida há décadas, levou 30 anos para descreverem um mecanismo denominado lesão por hipóxia/reoxigenação devido ao acúmulo de hipoxantinas no sangue do recém-nascido (RN) que é um potencial gerador de radicais livres (3).


Efeitos da Hiperóxia

Fisiologicamente o organismo foi preparado para se defender das situações de hipóxia. O fator HIF1α é ativado durante a hipóxia fazendo a transcrição de um grande número de genes que defendem o organismo contra a hipóxia, levando a angiogenese, eritropoiese, aumento da ventilação e consumo de glicose na tentativa de reduzir o consumo de oxigênio e aumento da distribuição de oxigênio para os tecidos. Em níveis normais de oxigênio e hiperoxia este fator HIF1α é degradado (3).

O organismo não tem as mesmas opções para responder a hiperóxia e esta por tempo prolongado poderá cursar com danos difusos em capilares pulmonares, endotélio e epitélio gerando extensiva inflamação com infiltrados celular e intersticial além de edema intra-alveolar. Essas situações patológicas pulmonares estão relacionadas à geração de espécies reativas de oxigênio secundárias à hiperóxia (4).

Os achados experimentais com hiperóxia mostram disfunções como atelectasias, edema alveolar intersticial, derrame pleural e modificações na função e estrutura celular. As alterações morfológicas decorrentes da inalação de concentrações elevadas de oxigênio foram descritas inicialmente em 1897-1899 por J. Lorraine Smith, que caracterizou os achados histológicos agudos incluindo, atelectasia, inflamação, congestão vascular e edema alveolar relacionadas à toxicidade (5).


Transição da vida fetal para pós-natal

O desenvolvimento embrionário e fetal ocorre em um ambiente com pouco oxigênio, no feto a saturação de oxigênio no sangue é em torno de 50 a 60%, isso nos faz questionar os efeitos da alta fração inspirada de oxigênio em crianças prematuras que pode ser tão deletéria (3). Ao nascimento é de extrema importância o aumento desta saturação para que haja adaptações cardiovasculares e circulatórias, porém níveis persistentes de 80 mmHg podem levar a lesões cerebrais, oculares e pulmonares (6).


Efeitos do estresse oxidativo no cérebro e pulmões dos RN

O cérebro do prematuro é mais suscetível ao estresse oxidativo devido à grande quantidade de gordura poli insaturada e ferro associados a poucas enzimas antioxidantes pré dispondo esse cérebro a inflamações mais intensas.

O óxido nítrico induzido (iNOS) está presente em grandes concentrações no cérebro imaturo que também contribui para perpetuação do processo inflamatório afetando os pré e oligodendrócitos imaturos que são mais suscetíveis ao estresse oxidativo levando a degeneração neuronal e apoptose.

Os pulmões prematuros também são bastante afetados pelo estresse oxidativo com destruição dos pneumócitos do tipo 1 e substituição destas células por células epiteliais. A barreira alvéolo capilar antes fina se torna edemaciada e infiltrada de leucócitos prejudicando a difusão dos gases aumentando gradualmente o efeito shunt e reduzindo a complacência deste pulmão (3).


Riscos da Oxigenioterapia em crianças

  • Depressão da ventilação

Na presença de hipercapnia crônica em crianças acima de 6 meses de vida, os quimiorreceptores periféricos param de responder com aumento da ventilação com o excesso de gás carbônico e passa a responder com a hipoxemia, logo a administração de oxigênio suplementar corrige a hipoxemia e conseqüente ausência de resposta ventilatória.

  • Retinopatia

A retinopatia é multifatorial, a hiperóxia com PaO2 > que 80 mmHg leva a necrose dos vasos da retina e uma angiogênese aumentada e desordenada como resposta. Os outros fatores que corroboram com o aparecimento da retinopatia no prematuro são a hipotermia, alterações na PaCO2, infecções, anemia e hipocalcemia.

  • Atelectasia de absorção

O aumento na fração inspirada de oxigênio reduz a concentração de nitrogênio no ar inalado e o aumento da concentração de oxigênio alveolar que na ausência de nitrogênio facilita a difusão e leva ao colapso alveolar.

  • Hiperóxia

A hiperóxia está associada com aumento de radicais livres (aumento do estresse oxidativo) e lesões pulmonares e no SNC, principalmente na criança prematura.

  • Mecanismo de báscula

Complicação potencial em pacientes pediátricos ocorre quando a PaO2 reduz mais do que o esperado com a redução da FiO2 (efeito rebote) e não retorna com o aumento da FiO2. Isso ocorre com mais facilidade em crianças pequenas devido à alta reatividade dos vasos pulmonares.

Níveis adequados de PaO2 e saturação no RNPT


A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma complicação da administração de oxigênio bem discutida na literatura em RNPT principalmente nos extremos (<28 semanas de IG). No final da década de 40 e inicio da década de 50 o oxigênio era utilizado sem limitações nesta população e houve com isso um grande aumento na incidência de ROP. Após esse período o oxigênio passou a ser utilizado de forma restrita e permitindo certo grau de hipoxemia nestes bebês, contudo se observou com isso um aumento na mortalidade. Em RNPT extremos o nível de oxigenação pode influenciar o desenvolvimento neuropsicomotor, causar broncodisplasia, enterocolite necrotizante e perda auditiva, porém ainda é muito controverso o nível adequado de saturação a ser mantida nesta população já que a faixa a ser considerada é muito pequena, menor do que a margem de 4% de erro de leitura do equipamento tornando difícil a monitoração.

Em metanálise recente Manja et al 2015 (7) avaliaram ensaios clínicos que restringiram o oxigênio e a saturação na faixa 85 a 89% (equivalente a uma PaO2 50 a 55mmHg) e estudos que mantiveram uma saturação entre 90 a 95% (PaO2 60 a 75mmHg), não houve diferenças significantes quanto a incidência de ROP, enterocolite, perda auditiva e broncodisplasia pulmonar, porém a mortalidade foi maior no grupo com saturação de 85 a 89%.


Referências

  1. Saugstad OD. Is Oxygen More Toxic Than Currently Believed? Pediatrics 2001; 108; 1203.

  2. Carnevalli LP, Oliveira CS and Gomes ELFD. Avaliação do uso dos dispositivos de oxigenoterapia na enfermaria pediátrica. Fisioterapia Brasil 2012; 13(5): 348-52.

  3. Saugstad OD. Hyperoxia in the term newborn: more evidence is still needed for optimal oxygen therapy. Acta Pædiatrica 2012 ;101 (Suppl. 464):34–38.

  4. Clayton, C. E.; et al. Inhaled carbon monoxide and hyperoxic lung injury in rats. American Journal of Physiol Lung Cellular and Molecular Physiology, Washington, USA, v. 281, n. 4, p. 949-957, 2001.

  5. Crapo, J. D. Morphologic changes in pulmonary oxygen toxicity. Annual Reviews Physiology, North Carolina, USA, v. 48, n. 1, p. 721-731, 1986.

  6. Comité Nacional de Neumonología, SAP.Guías para el manejo de la oxigenoterapia domiciliaria en pediatría. Parte 1: Generalidades, indicaciones y monitoreo.Arch Argent Pediatr. 2013;111(5):448-54.

  7. Manja V, Lakshminrusimha S and Cook DJ. Oxygen saturation target range for extremely preterm infants. A systematic review and meta- analysis. JAMA Pediatr. 2015;169(4):332-40.

Texto desenvolvido



Prof. Dra Évelim Leal de Freitas Dantas Gomes

Fisioterapeuta - Doutora em ciências da Reabilitação – Linha de pesquisa: Reabilitação dos distúrbios cardiorrespiratórios em pediatria.

Especialista em fisioterapia cardiorrespiratória InCor HCFMUSP,

Especialista em terapia intensiva pediátrica e neonatal ASSOBRAFIR.

http://lattes.cnpq.br/0368964695484761


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